Uma das principais críticas que os jovens de hoje recebem é a grande dificuldade que possuem em lidar com frustrações. Este é um fenômeno contemporâneo complexo no qual poderíamos apontar várias causas para o seu surgimento. No entanto, vou tratar especificamente de uma que geralmente não é relacionada ao problema: muitos pais fazem tudo o que está a seu alcance para atender todos os desejos de seus filhos, pois não suportariam vê-los passar pelas mesmas privações que passaram na sua infância.
Para embasar esta conclusão, irei trazer um pouco da minha trajetória pessoal enquanto alguém que faz parte da mesma geração de muitos destes pais que atualmente procedem desta forma junto a seus filhos. Os meus pais se casaram e vieram do interior do Rio Grande do Sul para fazerem a vida em Porto Alegre, a capital do estado. Tiveram uma infância dura, marcada por muito trabalho e uma série de privações materiais. “Até hoje a minha mãe conta que ia para a escola de pés descalços, mesmo em meio ao rigoroso inverno da Serra Gaúcha”.
Eles fizeram parte de um enorme fenômeno social que teve o seu ápice no Brasil na década de 1970: a transição de um país rural para tornar-se majoritariamente urbano. Portanto, é muito comum encontrarmos pessoas, a partir dos sessenta anos de idade, que tenham nascido no interior e optaram por viver nos grandes centros urbanos que estavam em formação. Buscavam uma vida melhor, com mais possibilidades para prosperar e poder constituir uma família. Meus pais, como tantos outros, almejavam, basicamente, vencer na vida. E, para isso, empregaram muito esforço.
Primeiramente, era preciso ter onde morar. Afinal, não se constitui um lar sem ter um teto sobre a cabeça. Então alugaram um quarto em que dividiam um banheiro externo com outras pessoas que também alugavam quartos situadas no mesmo terreno. Passados alguns meses, se mudaram para uma pequena casa de fundos – agora com um banheiro só para eles. Depois de alguns anos de muito trabalho, conseguiram comprar uma velha casa de madeira que, mais tarde, deu lugar a uma de alvenaria.
E lá estava eu, na época, com treze anos de idade, tendo presenciado todo esse processo que acarretou numa série de privações materiais para mim, meus pais e um irmão mais novo. Isso era compreensível, pois ter onde morar ou, melhor dizendo, “ter onde cair morto”, era, e ainda é até hoje, o principal sonho de uma grande parte da população brasileira.
Por causa disso, não tive meus desejos e sonhos de criança realizados: tinha que me contentar em ver os meus amigos completarem seus álbuns de figurinhas, imaginar que brincava com o ferrorama que nunca desceu do expositor da loja para os meus braços, ficar olhando os outros jogar pac man, enduro, ou river ride no vídeo game, e correr atrás daqueles que andavam de bicicleta na rua.
Sendo assim, desde muito cedo, pude experimentar a sensação inferioridade gerada pelo desejo de querer muito alguma coisa, mas não ter condições de obtê-la; ou ainda, aquela mistura dos sentimentos de inveja e revolta causada por um “amiguinho” que faz questão de não te emprestar o seu brinquedo por sentir prazer com aquela situação.
Muitas outras pessoas da minha geração tiveram uma realidade familiar muito parecida, ou até mais difícil, do que aquela que eu tive no começo de minha trajetória. E uma grande parte delas, agora pais e mães de família, sabem o quanto isso lhes deu força para irem em busca daquilo que desejavam, não se deixando abater pelas dificuldades.
Porém, não enxergam o quanto essa “casca grossa” poderia ser importante também para seus filhos. Isso por não suportarem a ideia de uma reedição daquele filme do qual foram protagonistas. Simplesmente acham que seus filhos não precisam, ou, melhor dizendo, não merecem passar por privações para aprenderem a dar valor às coisas. Basta explicar para eles que entenderão. Mas seria mesmo o fim do mundo uma criança ficar sem a mochila ou o tênis da moda que tanto deseja?
Eu não quero defender que, em se tendo condições financeiras, não se realize as vontades ou os sonhos de um filho só para passar adiante a abnegação material que esse pai ou essa mãe sofreram na juventude. Defendo apenas que seus filhos, em algumas poucas situações ao longo da sua formação, possam sentir o gosto daquele remédio que sim, é amargo, mas que fortifica.
Isso para que possam aprender a lidar, desde cedo, com algo que é recorrente na vida adulta: nem sempre vão ter aquilo que querem, ao seu alcance, na hora que desejam. Para muitos da minha geração, hoje na faixa dos quarenta anos de idade, aceitar isto é até fácil, acontece quase de forma automática, inconsciente, já está assimilado. Sabemos que as dificuldades fazem parte da vida e que sempre nascerá um novo dia para tentar buscar aquilo que desejamos. Pena que, hoje em dia, muitos jovens estão longe de aprenderem esta lição.